sexta-feira, 15 de abril de 2011

eu tenho namorado.

Eu tenho namorado, uma vez que não tirei férias de mim mesma. Eu não “fechei para balanço”. Meu namorado não foi a mais difícil das conquistas, mas a mais difícil das descobertas. Meu namorado é raro, e é de verdade. Mas eu descobri pela adivinhação, pela pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa e pelo cheiro. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até a paixão foi fácil, mas perceber, não foi. Pois é, meu namorado foi muito difícil mesmo.
Namorado não precisa ser o mais bonito, mas o meu é, lindo. Porque ele também me protege e quando eu chego perto dele minha perna treme, eu suo frio, e quase desmaio pedindo proteção. A proteção dele não é parruda ou bandoleira: basta eu olhá-lo com compreensão ou mesmo aflita.
Eu tenho namorado, pois eu tenho amor. Eu sei o gosto de namorar. Eu posso ter tido três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mas mesmo assim eu escolhi o meu namorado. Eu tenho namorado, pois eu sei o gosto da chuva, cinema em casa, sessão das duas, medo da mãe, pão italiano em Lígia ou drible para Porto.
Eu tenho namorado, pois há amor com carinho, acaricio com vontade de virar lagartixa e amo com alegria, sorridente.
Tenho namorado, pois fiz pactos de amor com a felicidade, ainda que duradoura, escondida, fugidia e possível de curar.
Tenho namorado, pois eu dou valor a andar de mãos dadas, as minhas atrás e as dele na frente, há carinho escondido na hora do filme, da flor, rosa, arranjo ou buquet roubados do Oh Lindas Flores e entregue de repente, de poesia de Vinícius de Moraes ou Gonçalves Dias, linda bem devagar ou cantada com o violão, de gargalhada partida quando fala junto ou descobre o cabelo cacheado, da ânsia enorme de viajar junto para São Paulo, ou mesmo de carro para Porto, avião, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.
Eu tenho namorado, porque eu gosto de dormir junto, fazer sesta num domingo abraçado, fazer compra junto. Tenho namorado, pois eu gosto de falar do próprio amor e de ficar horas e horas olhando o mistério dele dentro dos olhos castanhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.
Tenho namorado, porque eu redescobri a criança amada e vou com ela a parques, fliperamas, beira-mar, show de Tio Fred, praça de Porto enluarada, ruas de sonhos ou musical dele mesmo.
Tenho namorado, pois temos música secreta, já que foi ele quem me salvou e se tornou meu protetor, foi ele a quem eu dediquei um livro “cativante”, a quem recorto outras fotos, a quem eu me chateio pelo fato dele ser paquerado ou vice-versa. Tenho namorado, pois eu amo por gostar, gosto por curtir e curto para aprofundar. Tenho namorado por gostar de ser lembrada de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia de chuva em plena Olinda cheia d’água.
Tenho namorado, porque amo e me dedico, namoro brincando, e mesmo com obrigações penso o tempo todo nele. Quando faz sexo esperando o outro ir junto.
Tenho namorado, pois não confundo solidão com ficar sozinho e em paz, já que estou sempre acompanhada dele. Tenho namorado, pois eu repito o que ele diz quando ele pergunta besteira e penso ainda numa resposta, eu rio de mim mesma e dele também e não tenho medo de ser afetiva.
Eu tenho namorado, pois eu descobri que o amor é alegre e não vivo pesando 200kg de grilos e de medos, mas sem deixar de ter uma pontinha de ciúmes. Coloquei meu shortinho mais curto, aquele jeans, e passeie com ele de mãos dadas, por aí. Enfeitei-me com begônias e ternuras e escovei minha alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração preenchido, saí de casa e descobri o jardim da casa dele.
Acordei com o gosto do beijo dele e sorri lírios para ele. Pus intenção de quermesse nos olhos dele e bebi licor de contos de fada. Andei como se o chão estivesse repleto de sons do violão dele, de claves de sol e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma menina falante a dizer frases bobas e apaixonadas.
Eu tenho namorado, porque eu enlouqueci aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido. Pois, finalmente, tudo fez sentido com ele.

Liala Leão [adaptação do texto "Quem não tem namorado" de Drummond.

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